segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Fichamento do artigo Manifestações extra-esofágicas da doença do refluxo gastroesofágico


Manifestações extra-esofágicas da doença do refluxo gastroesofágico

Jornal Brasileiro de Pneumologia, 2006

Autores:
Richard Ricachenevski Gurski
André Ricardo Pereira da Rosa
Enio do Valle
Marcelo Antonio de Borba
André Alves Valiati

A sintomatologia da doença do refluxo gastroesofágico (DRGE) é muito comum, aproximadamente 20% dos adultos apresentam pirose e/ou regurgitação pelo menos uma vez por semana e 40%, mensalmente.Se forem consideradas as manifestações extra-esofágicas estima-se que a real prevalência de refluxo patológico possa estar subestimada. A DRGE tem sido associada a sintomas pulmonares e doenças de vias aéreas inferiores como asma, tosse crônica, bronquite, pneumonia aspirativa e fibrose pulmonar idiopática; sinais e sintomas otorrinolaringológicos incluindo rouquidão, laringite, estenose subglótica, granuloma de prega vocal e carcinoma de laringe; e outras manifestações extra-esofágicas como dor torácica não cardíaca, erosão dentária, sinusite, faringite e apnéia do sono. A maioria dos pacientes com os sintomas extra-esofágicos da DRGE não apresenta os sintomas típicos. Isto confere dificuldade em se fazer o diagnóstico da DRGE (com sintomas atípicos), visto que, na maioria dos casos, a investigação subseqüente será baseada primariamente na suspeita clínica. Os pacientes com manifestações extra-esofágicas da DRGE, quando avaliados com endoscopia digestiva alta, usualmente apresentam uma baixa prevalência de esofagite. A endoscopia digestiva alta permanece como um importante exame na avaliação da DRGE, pois permite confirmar o seu diagnóstico em alguns casos e detectar as complicações da doença. Da mesma maneira, a radiografia contrastada de esôfago, estômago e duodeno pode detectar alterações, porém apenas nos casos mais avançados. Entretanto, esses exames são incapazes de demonstrar objetivamente a relação causal entre o refluxo ácido patológico e os sintomas respiratórios. Tanto o tratamento clínico, como o cirúrgico, têm demonstrado excelente resposta para a DRGE não complicada e com sintomas típicos. Entretanto, a resposta terapêutica para os sintomas extra-esofágicos da DRGE é nitidamente menos satisfatória.
O refluxo gastroesofágico patológico tem sido encontrado em até 80% dos adultos com asma. Evidências epidemiológicas acumuladas têm estabelecido claramente a associação entre DRGE e asma, havendo forte correlação entre os episódios de refluxo e os sintomas respiratórios. Além disso, alguns estudos estabelecem não somente a coexistência, mas também a relação de causa e efeito, estabelecendo a DRGE como uma das importantes causas de asma no adulto. Alterações fisiológicas em pacientes asmáticos como o aumento da pressão intratorácica e retificação das cúpulas diafragmáticas, poderiam debilitar a barreira anti-refluxo e, conseqüentemente, predispor à DRGE. Alguns autores sugerem maior prevalência de DRGE em pacientes com doença pulmonar obstrutiva crônica, indicando que a mecânica respiratória alterada predispõe à DRGE. Entre os medicamentos utilizados para o controle da asma, alguns podem favorecer o refluxo por serem relaxantes da musculatura lisa do esôfago e do estômago. Com isso, há uma redução na capacidade de clareamento esofágico e um retardo no esvaziamento gástrico, o que gera um efeito pró-refluxo, principalmente nos pacientes com esfíncter esofágico inferior mecanicamente defeituoso.
A tosse crônica, definida como a persistência de tosse por um período mínimo de oito semanas, é um motivo freqüente para a busca de atendimento médico. Nas últimas três décadas, a DRGE tem sido considerada uma importante etiologia desse sintoma. Os pacientes com tosse crônica associada exclusivamente à DRGE apresentam um perfil típico: ausência de história de tabagismo, presença de radiografia de tórax normal e ausência de uso atual de inibidores da enzima de conversão da angiotensina. A DRGE, juntamente com o gotejamento pós-nasal e a asma, representa a etiologia da tosse crônica em até 40% dos casos. A relação de causa e efeito entre DRGE e tosse crônica, à semelhança da asma induzida pela DRGE, é objeto de controvérsia para alguns autores. Entretanto, a principal evidência de que a DRGE é causa de tosse crônica é embasada na resolução dos sintomas após o tratamento anti-refluxo eficaz. Assim como ocorre na asma, dois mecanismos têm sido propostos para explicar a associação entre a DRGE e tosse crônica: o conteúdo gástrico refluído pode atingir as vias respiratórias superiores e inferiores causando a tosse; o refluxo do conteúdo ácido gástrico pode estimular terminais nervosos vagais presentes no esôfago, desencadeando a tosse de forma reflexa.
Outras doenças e sintomas pulmonares têm sido associados à DRGE. Em um grande estudo caso-controle, esofagite ou estenose esofágica foram associadas não somente com asma e fibrose pulmonar, mas também com bronquiectasia, doença pulmonar obstrutiva crônica e pneumonia. Vale lembrar que a fisiologia respiratória alterada predispõe ao refluxo ácido patológico em algumas dessas patologias.
Alternativamente, a DRGE pode causar doença pulmonar como resultado de microaspiração ou de reflexo esôfago-brônquico. Entretanto, é possível que a DRGE e as doenças pulmonares acima citadas simplesmente coexistam com fatores de risco comuns, sendo necessários estudos que demonstrem sua relação causal.
Embora muitas doenças otorrinolaringológicas tenham sido associadas à DRGE, a manifestação predominante é a laringite. Com base em várias descrições de alterações inflamatórias da laringe e em mecanismos propostos de lesão, a laringite relacionada à DRGE tem recebido diferentes denominações, como laringite posterior, laringite ácida, laringite péptica e, mais recentemente, laringite de refluxo. Mesmo sendo desconhecida a prevalência de laringite de refluxo, há uma estimativa de que 4% a 10% dos pacientes que se apresentam a um otorrinolaringologista têm sintomas e/ou achados relacionados à DRGE. Assim como ocorre nas outras manifestações extra-esofágicas, uma proporção significativa de pacientes com manifestações laríngeas de DRGE, incluindo laringite de refluxo, não possuem os sintomas típicos da DRGE.Uma vez que a laringe não é contínua e mecanicamente limpa e revestida pela saliva, o refluxo gástrico permanece sem diluição por um período de tempo prolongado, resultando em uma maior probabilidade de lesão tecidual. O tempo de exposição do trato aerodigestivo alto ao refluxo ácido é menor que o tempo de exposição do esôfago. Contudo, a probabilidade de dano à mucosa é provavelmente maior. Os sintomas da laringite de refluxo são inespecíficos e não podem ser diferenciados dos sintomas da laringite por outras causas. Rouquidão, o sintoma mais comum, tem sido relatada em mais de 92% dos pacientes com laringite de refluxo. Outros sintomas podem incluir tosse, pigarro, odinofagia, mudança na voz, globo e disfagia.
Lesões laríngeas (tais como inflamação, edema, formação de úlcera de contato e formação de granuloma de contato) e sintomas laríngeos (tais como rouquidão e globo) são os processos mais estudados dentre as doenças otorrinolaringológicas associadas à DRGE. Contudo, há uma grande e crescente lista de supostas doenças otorrinolaringológicas associadas à DRGE, e tem surgido interesse na investigação de sua associação com diversas doenças, como câncer de laringe, apnéia do sono, estenose subglótica, rinite vasomotora e laringoespasmo. Por muitos anos, alguns clínicos têm suspeitado que a DRGE é um fator de risco para câncer de laringe e de faringe. Contudo, a associação não tem sido convincentemente demonstrada.

CONCLUSÃO

Embora as manifestações extra-esofágicas da DRGE representem grupos heterogêneos de doenças, algumas caracterizações gerais podem ser feitas. Devido particularmente à grande prevalência de “DRGE silenciosa" na população, o diagnóstico pode ser difícil. Exames tradicionais, como a endoscopia digestiva alta e a radiografia contrastada de esôfago, estômago e duodeno, podem ser úteis no diagnóstico da DRGE e permanecem sendo importantes ferramentas para detecção de complicações esofágicas. Contudo, estes exames podem não confirmar a DRGE, e quando eles o fazem, não estabelecem o efeito causal entre a DRGE e os sintomas extra-esofágicos. A pHmetria-24h é o exame mais sensível para detectar a DRGE e desempenha um importante papel na avaliação de pacientes com manifestações extra-esofágicas. Contudo, pode não firmar a relação causal entre a DRGE e os sintomas extra-esofágicos. Neste ponto, o teste empírico com medidas anti-refluxo (comportamentais e farmacológicas) pode ser útil para se estabelecer o diagnóstico. Geralmente, as manifestações atípicas requerem terapia anti-secretora mais agressiva e por um período mais longo de tempo, quando em comparação com a DRGE com sintomas típicos. Vale ressaltar que as medidas comportamentais para se evitar a exacerbação do refluxo patológico estão indicadas a todos os pacientes com suspeita de DRGE e sintomas atípicos, sendo as principais: elevação da cabeceira da cama (15 cm), moderar a ingestão de alguns alimentos na dependência da correlação com sintomas (gorduras, cítricos, café, bebidas alcoólicas, bebidas gasosas, produtos à base de tomate, chocolate), evitar deitar-se nas duas horas posteriores às refeições, evitar refeições copiosas, evitar o uso de roupas apertadas, suspensão do tabagismo, além de perda de peso na presença de obesidade.

COMENTÁRIO

É essencial, para a classe médica, ter o conhecimento das manifestações clínicas das doenças. Quando se trata de uma doença comum, como é o caso do refluxo gastroesofágico, doença do trato digestivo que acomete cada vez mais pessoas, esse conhecimento deve ser mais efetivo. A leitura de artigos sobre o assunto ajuda a elucidar as dúvidas e também auxilia na abrangência de conhecimento. O artigo estudado expôs de forma clara o tema (Manifestações extra-esofágicas da doença do refluxo gastroesofágico). Este artigo revisa as principais manifestações extra-esofágicas da DRGE apresentadas na literatura, discutindo a epidemiologia, patogênese, diagnóstico e tratamento, com foco nas apresentações mais prevalentes e estudadas, ou seja, a asma, tosse crônica e laringite.
Fonte: http://www.scielo.br/pdf/jbpneu/v32n2/a11v32n2.pdf

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